sexta-feira, 29 de março de 2013

Responsabilidade na educação das crianças deve ser compartilhada, quando celulares e marcas de roupas interferem na socialização das crianças e também no processo de aprendizagem, a escola deve intervir com combinados e regras.

Por Lais Fontenelle

Há cerca de um mês, li um artigo na Folha de São Paulo, da psicóloga Rosely Sayão, que tratava, em linhas gerais, sobre os limites da escola particular na interferência das decisões da família. Muitos pontos importantes foram abordados e me fizeram pensar, mas o principal deles dizia respeito ao limite de nossa liberdade pessoal dentro de instituições como a escola, por exemplo. Pode a escola particular determinar o tipo de lanche que as crianças trazem de casa? Pode proibir o uso de celular nos recreios, ou também o uso de determinada marca de roupa – como soube que aconteceu dentro de uma escola de elite no início desse ano em São Paulo? Ao contrário da Rosely, eu acredito que sim. Na minha opinião, a responsabilidade na educação das crianças deve ser compartilhada e quando celulares e marcas de roupas interferem na socialização das crianças e também no processo de aprendizagem, que se dá dentro do espaço escolar, a escola não só pode como deve intervir com combinados e regras.

Sabemos que educar nunca foi tarefa fácil e esse desafio sempre foi muito bem equacionado entre família e escola, mas hoje escutamos cada vez mais a seguinte frase: “Estamos terceirizando a responsabilidade de educar as crianças”. Em alguns momentos são os pais que dizem isso, culpando a escola por se omitir em questões importantes, e muitas vezes é a escola que reclama que os pais não têm feito seu dever de casa no quesito educação e acabam jogando a responsabilidade no ombro das escolas. E algumas vezes ambos chegam a recorrer ao Estado para resolver questões mais complexas, como no caso do famoso bullying. Mas quem está com a razão? Estão os papéis definidos? O que cabe às escolas e famílias? Quando se trata de escolas particulares, essas perguntas me parecem muito mais fáceis de serem respondidas. No momento em que os pais saem para a árdua tarefa de escolher a escola de seus filhos, geralmente tomam essa decisão pensando que a escola será o segundo “espaço” – depois da família – para a socialização de suas crianças. Isso significa que deveriam funcionar como uma comunidade, com unidade nas decisões, concordando e acordando conjuntamente, muitas vezes, sobre os valores e hábitos a serem transmitidos. Mas, pelo visto, não é isso que tem acontecido na maioria das vezes.

Então… Quem deveria decidir sobre o lanche que se leva de casa, como abordado no artigo de Rosely Sayão? Na minha opinião, o ideal seria uma decisão conjunta, porque mesmo que a instituição seja particular (e aí podemos tê-la como um bem de consumo na educação de nossas crianças – como tem acontecido, muitas vezes), ela tem premissas e valores em que acredita e esse foi um dos motivos de nossa escolha lá atrás – não podemos nos esquecer. Além disso, vale lembrarmos que muitas famílias, com seus próprios valores, convivem ali unidas, portanto muitas liberdade individuais e de escolha estão envolvidas nas decisões. Bom, o que quero dizer com isso? A velha e já conhecida frase que diz que minha liberdade acaba quando a do próximo começa. Ou seja: se todos quiserem decidir individualmente sobre o lanche de seus filhos, e muitas outras questões dentro das escolas, será difícil pensarmos na noção de comunidade escolar, onde todos estão envolvidos democraticamente nas escolhas. De fato, a decisão sobre alimentação é algo bastante importante de ser discutido no coletivo das escolas porque envolve hábitos individuais/familiares de alimentação, mas também esbarra em questões sérias até de saúde pública – dado o aumento espantoso nos índices de sobrepeso e obesidade infantil. Então, quando decido enviar bolachas recheadas para meu filho ao invés de frutas, devo pensar também no seu colega de turma. Qual seria a solução nesse caso?

Para ilustrar que há saídas criativas, acho pertinente o exemplo de uma escola particular de educação infantil, em Diadema, que fez um lindo projeto sobre lanche e lixo. A ideia inicial era redução do lixo (resultado de lanches industrializados trazidos de casa pela maioria) e conscientização sobre a importância de uma alimentação mais saudável nas famílias. Primeiro, o grande desafio era fazer com que as crianças entendessem que seu consumo individual tem impactos no coletivo, além de mostrar a algumas crianças que sua fruta era tão gostosa quanto a bolacha recheada do coleguinha. Dessa forma foi pedido que as crianças armazenassem as embalagens trazidas no lanche, depois de lavá-las, claro, dentro de um canto escolhido por elas na sala de aula. Depois de uma semana o canto estava cheio de lixo, e isso diminuía o espaço de brincar – fato que motivou as crianças a buscarem uma solução coletiva para o problema.

Com essa experiência, os pequenos começaram a se dar conta de que o consumo de alimentos industrializados gerava muito lixo, além de ser mais caro e menos saudável. O papel da escola foi, portanto suscitar a reflexão de como esse problema poderia ser resolvido coletivamente. A resposta encontrada pelas famílias, junto com a escola, em diálogo constante com as crianças foi: “A solução será trazer lanches mais sustentáveis e saudáveis feitos em casa”. Nesse contexto se desenrolaram algumas atividades que envolviam todas as famílias, como por exemplo: roda de troca de receitas entre mães e organização semanal de lanches coletivos. Essas atividades geraram uma conscientização sobre a necessidade de mudança dos lanches trazidos de casa sem nenhuma imposição ou constrangimento. Pois bem… O longo exemplo foi somente para ilustrar que há saídas diferentes da imposição/proibição, mas essas dependem de mobilização e envolvimento de toda comunidade escolar.

De fato, quando se vive em sociedade, algumas regras se fazem necessárias para o bem estar coletivo. Por isso acredito que a escola pode e deve intervir em algumas questões, como nos exemplos explicitados aqui. Regras e combinados não servem somente para cercear a liberdade de escolha, mas sim para melhor organização social. E, nos dias de hoje, o que temos é a falsa ideia de liberdade escolha, pois o mercado talvez seja aquele que mais nos impõe regras e valores, mascaradas de opções. O mercado, através da publicidade, determina como devemos nos comportar para sermos aceitos socialmente. De toda forma, desde o início, falei que a solução no caso das escolas particulares poderia ser mais simples. Já quando nos deparamos com a realidade das escolas públicas a questão se complica, porque muitas vezes os pais não têm nem a liberdade de escolha das escolas, então cabe ao Estado não só garantir como implementar caminhos, através de políticas públicas, para honrar a infância.

fonte: educacao.alana.org.br

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