Objetos de sedução dos jovens, o computador e a tecnologia ainda não se traduzem em ganho para os processos de aprendizagem o âmbito escolar. Sua utilização divide os educadores: vamos mudar nossa forma de ler o mundo ou empobrecê-la?
Henrique Ostronoff
Cerca de 80 anos da experiência por Antonio Candido no ginásio de uma escola pública do interior de Minas Gerais, a prática de aprendizado que ele viveu pode parecer conservadora. Basta imaginar o que aconteceria hoje, em uma grande cidade, se um professor do ensino fundamental II resolvesse ler Camões com os seus alunos. Não seria nem preciso que pedisse uma análise sintática. Apenas que fizessem um trabalho sobre Os Lusíadas.
Provavelmente o aluno não precisaria nem adquirir o livro. Correria para o computador de casa, da escola ou de uma lan house, entraria na internet e digitaria o nome do livro em um programa de busca. De cara, receberia cerca de 580 mil respostas de páginas contendo o título da obra. Se fosse mais esperto, buscaria "Lusíadas resumo" e obteria cerca de 300 mil respostas. Refinando ainda mais a pesquisa com "análise Lusíadas", seriam 86 mil verbetes. No entanto, se tentasse "Camões", o serviço de busca lhe daria 2,7 milhões de opções. Depois de escolher uma página que lhe parecesse mais interessante passaria para o processo de "copia e cola", jogaria o conteúdo no processador de texto e imprimiria. Pronto. A tarefa estaria cumprida. Não seria preciso nem ler o que "escreveu".
Esse exemplo extremo, embora comum, é apenas uma amostra dos efeitos que a tecnologia pode ter nas relações do processo de ensino. O fenômeno não se restringe a países com resultados educacionais abaixo da média, como é o caso do Brasil, sempre em posições inferiores nos testes internacionais que comparam as situações escolares. A informatização da educação se espalha pelo mundo como reflexo do ambiente de comunicações instantâneas, que oferece uma quantidade infindável de informações.
A idéia de restringir ao máximo a tecnologia nos processos pedagógicos encontra eco entre alguns estudiosos do tema. No entanto, a maior parte dos especialistas defende a sua utilização como forma de auxílio ao processo de aprendizagem, desde que não seja usada como um fim em si mesma e não sirva apenas como chamariz para motivar os alunos. E todos chamam a atenção para uma condição essencial para a melhoria do ensino, com informatização ou não das escolas: a formação adequada do professor para desenvolver uma consciência crítica em relação ao uso dos meios tecnológicos.
Explosão tecnológicaAcostumados à troca veloz de informações, os jovens de hoje vêem a escola como uma instituição à parte de seu mundo
A utilização dos meios digitais de comunicação começou a alastrar-se a partir de meados dos anos 1990, com a crescente globalização mundial. O desenvolvimento da banda larga permitiu acesso rápido à internet. Os computadores cada vez mais "amigáveis" e com preços acessíveis e suas variações com tamanhos cada vez mais reduzidos possibilitando maior mobilidade, como notebooks e celulares multifunção, disseminaram o uso da grande rede mundial de informações.
Programas de comunicação instantânea possibilitam a troca de mensagens escritas e contato virtual com a transmissão não só de voz, como de imagens em tempo real por meio de câmeras de vídeo simples. Os jogos eletrônicos podem contar com a presença simultânea de vários participantes, cada qual em um ponto do planeta. Os sites de relacionamento unem sob um mesmo grupo de interesse gente que possivelmente nunca se conhecerá cara a cara. E os blogs permitem que qualquer pessoa mantenha sua própria página, sobre os mais variados assuntos.
No Brasil, em abril de 2008, 22,4 milhões de pessoas usaram internet residencial, 18,3 milhões delas com banda larga, segundo o Ibope/NetRatings. Aumento de mais de 50% em relação ao ano anterior. E a média de tempo de navegação foi de 22 horas e 47 minutos por pessoa ao mês, índice dos mais altos do mundo.
Nascidos digitais
Esse uso intenso e freqüente do mundo digital motivou a criação do conceito de "Homo zappiens". No livro homônimo, cujo subtítulo é Educando na era digital, o autor Wim Veen, diretor da área de Educação e Tecnologia da Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, afirma que essa nova "espécie" de jovens cresceu usando intensamente múltiplos meios da tecnologia. "Esses recursos permitiram às crianças de hoje ter controle sobre o fluxo de informações, lidar com informações descontinuadas e com a sobrecarga de informações, mesclar comunidades virtuais e reais, comunicar-se e colaborar em rede, de acordo com suas necessidades." Dessa forma, tendo como referência países do mundo desenvolvido, Veen diz que os alunos desta geração, ao perceber a escola como instituição à parte de seu mundo, consideram-na como algo irrelevante em suas vidas cotidianas. No dia-a-dia escolar, mostram comportamento dito hiperativo e concentração intermitente, preocupando pais e professores. "Mas o Homo zappiens quer estar no controle daquilo com que se envolve e não tem paciência para ouvir um professor explicar o mundo de acordo com as suas próprias convicções. Na verdade, o Homo zappiens é digital e a escola analógica."
Alunas de colégio em Piraí (RJ) em projeto que distribuiu laptops para os alunos. Para especialistas, não adianta usar novas tecnologias e não renovar o fazer pedagógico |
Em uma hipotética metodologia pedagógica dedicada ao Homo zappiens, o pesquisador holandês prevê que as escolas deixariam de treinar as crianças para a certeza. Os alunos seriam preparados com o objetivo de que obtivessem flexibilidade suficiente para atuar em uma sociedade permeada pelo conhecimento intenso e em constante mudança. A aquisição de conteúdo deixaria de ser o objetivo principal da educação e os professores teriam o papel de orientadores que oferecem apoio especializado aos alunos, os quais teriam independência para "aprender sobre questões e problemas da vida real".
Para Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, professora do Departamento de Ciência da Computação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a cultura digital é uma realidade, inclusive no Brasil. "A criança de hoje é diferente. Mesmo que não trabalhe o tempo todo com o computador em casa, como no caso das classes populares, ela já está inserida nessa sociedade."
Por conta disso, a especialista da área de tecnologia e formação de professores afirma que quando se fala de acesso do estudante à internet, deve-se treiná-lo para selecionar os conteúdos adequados. "E para que o aluno faça isso é preciso prepará-lo de uma forma diferente porque ele não está acostumado a sair em busca da informação. Ele já recebeu a informação que foi selecionada previamente muito antes de termos esses recursos. Então, hoje, a lista de conteúdos que é trabalhada na escola, numa determinada ordem, foi definida levando em conta o desenvolvimento da criança antes da sociedade digital", diz.
Ainda segundo a professora da PUC-SP, os recursos tecnológicos têm como conseqüência a transformação da relação entre professor e aluno. "A tecnologia estrutura nosso modo de pensar. Qualquer tecnologia. Com o caderno e o lápis, eu tenho uma determinada direção para expressar o meu pensamento - da esquerda para a direita, de cima para baixo. Se vou expressar por meio de uma fotografia ou vídeo, tenho de pensar de forma diferente para fazer essa representação. Quando vou trabalhar com o computador e a internet, também vou pensar de forma diferente." Sendo essa tecnologia um meio de comunicação não tradicional, "mudam as relações entre professores e alunos, mudam as relações que se estabelecem na escola", afirma.
Apesar de defender a implantação de tecnologia para o processo de aprendizado nas escolas com o objetivo de inserir a sociedade no mudo digital, Elizabeth Almeida acredita que é necessário "analisar quais recursos tecnológicos podem contribuir na aprendizagem, que potencialidades têm e limitações também, porque toda tecnologia tem potencial e limitação". E que é essencial um olhar crítico, que "é saber analisar determinada tecnologia e saber quando ela é adequada para ser incorporada numa atividade pedagógica". Acrescenta que não se trata de simplesmente informatizar o ensino. "Não é colocar no computador as lições e o conteúdo atuais e o aluno ficar ali acessando o conteúdo e a informação. Uma aula dialógica pode ser muito competente. É um desperdício usar a tecnologia para isso, é muito cara para ser usada dessa maneira."
fonte: REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 143
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